Notícia de 6/9/2013
Até o ano passado, uma família brasileira tinha apenas duas motivações para produzir energia com a força do vento: a falta de abastecimento público (ou as falhas crônicas no serviço) e o desejo de trilhar caminhos mais sustentáveis. Desde abril, porém, uma mudança na legislação – a Resolução nº 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – dá um incentivo a mais ao permitir a micro e a minigeração distribuída.
Traduzindo: dá sinal verde para que sistemas alternativos de geração de energia limpa injetem sua produção na rede da distribuidora local. Com isso, além de suprir parte da demanda da casa e pagar menos pela conta mensal, o cliente ganha créditos para descontar nas próximas faturas toda vez que a geração de energia for maior do que o consumo. “É um primeiro passo importantíssimo”, diz Elbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Como funciona:
Para ter acesso à microgeração distribuída, é preciso apresentar um projeto à distribuidora. Se aprovado, o cliente arcará com os custos de todos os equipamentos e do novo medidor, que registrará a entrada e a saída de energia. Veja, abaixo, os componentes do sistema:
1. Pás: sistemas eólicos funcionam apenas em locais com ventos fortes e constantes, capazes de tirar as pás da inércia e mantê-las em movimento. O design do aerogerador influencia seu desempenho. Alguns modelos contam com um dispositivo especial que posiciona as pás na direção do vento.
2. Rotor: é a parte da turbina que gira em torno de seu próprio eixo, convertendo a energia cinética do vento na energia mecânica que, em seguida, movimenta um gerador elétrico.
3. Baterias: em sistemas desconectados da rede pública (off grid), é necessário contar com um banco de baterias para armazenar a energia gerada. Já na microgeração distribuída (grid tie), como a energia produzida é injetada na rede pública, as baterias viram uma opção para oferecer alguma autonomia contra apagões.
4. Rede pública: para garantir a proteção, a segurança e a operação do sistema de distribuição, a concessionária estabelece padrões técnicos a serem cumpridos pelo cliente interessado no grid tie – que também pode combinar energia eólica com solar, por exemplo, para compensar períodos de menor incidência de ventos.
5. Consumo: a energia gerada é contabilizada (em kWh) no medidor. A fatura representará a diferença entre a geração e o consumo familiar. Saldos positivos viram créditos que podem ser usados por 36 meses (inclusive em outros endereços, desde que sejam do mesmo titular e na mesma área de concessão).
Sob medida para um casal
O modelo Skystream, instalado pela Energia Pura na casa do aposentado Ari Lund, em Garopaba, SC, abastece os aparelhos domésticos que estiverem ligados. Um banco de12 baterias, com autonomia de 12 horas, garante a eletricidade nos momentos sem vento. Para girar as pás e gerar energia, é necessário um vento de partida de 3,5 m/s. A média local é de 6 m/s, o que possibilita a produção de 400 kWh/mês. Segundo o morador, o sistema supre 30% da demanda energética da casa de 700 m²(que conta com um elevador). A torre estaiada foi a opção para a base do aerogerador, que deve ser concebida de acordo com o tamanho da turbina, a força do vento e as condições locais.
Diversos estudos comprovam o enorme potencial do Brasil para explorar a energia do vento, especialmente na faixa litorânea e no Sul do país. Fazer o setor crescer e disseminar o acesso aos equipamentos, no entanto, requer um conjunto de incentivos. “O governo é o principal agente, porque pode criar benefícios fiscais e ainda se tornar o melhor cliente, instalando sistemas eólicos em prédios públicos, por exemplo”, afirma Luiz Henrique Ferreira, diretor da Inovatech Engenharia, consultoria em projetos sustentáveis. “Nos Estados Unidos, quando o governo ofereceu 30% de desconto no imposto de renda para quem investisse em energia eólica, houve um crescimento de 78% em um ano”, lembra Luiz Cesar Pereira, diretor da Enersud, fabricante nacional de aerogeradores.
Aqui, a novidade quanto à micro e à minigeração distribuída segue a mesma tendência. “Ainda não é como na Europa, onde se ganha dinheiro vendendo energia limpa. Por enquanto, trata-se de uma maneira de economizar na conta e impulsionar o segmento”, diz Elbia Melo.
Na prática, a mudança favorece quem consome mais energia, como prédios comerciais, condomínios residenciais e indústrias, que têm a chance de obter o retorno do investimento em prazos mais razoáveis. Mas há quem enxergue além, como o aposentado Ari Lund, dono da casa ao lado, no litoral catarinense. “Os ventos em Garopaba são abundantes e temos que aproveitar essa energia limpa. É preciso baratear os custos, incentivando outras pessoas a apostar nisso”, defende. Ele desembolsou R$ 50 mil na instalação de um sistema eólico doméstico, poucos meses antes de a rede de distribuição passar a atender sua região. “Apesar do preço alto, fiquei satisfeito com o resultado porque consegui suprir boa parte do abastecimento de energia”, completa ele, que agora prepara projeto para se conectar à rede pública.
Situação semelhante viveu Edison Eduardo Weissinger, aposentado, morador de Itaipuaçu, RJ. “Aqui o fornecimento não era confiável, faltava luz com frequência, e resolvi gastar R$ 4 mil na compra de um pequeno sistema com aerogerador, torre, baterias e outros equipamentos”, justifica. “Hoje tenho autonomia e pago menos pela conta sem agredir o meio ambiente.”
O residencial Ecovila Resort, no litoral paulista, usa dois aerogeradores paraa iluminação das áreas comuns e o sistema de segurança, reduzindo 30% das despesas com o condomínio.
Incentivos à energia eólica vêm também de grandes bancos: a Caixa Econômica Federal incluiu recentemente os aerogeradores na lista de produtos que podem ser adquiridos pelo Construcard, linha de financiamento para materiais de construção (com até 96 meses para pagar, com taxas de juros de 0,90% a 1,85% ao mês). No Banco do Brasil, o BB Consórcio lançou em janeiro planos especiais para a compra de sistemas de energia renovável e a contratação de serviços técnicos por prestadores especializados.
Os selos de construção sustentável têm sua parcela de contribuição. O AQUA, coordenado pela Fundação Vanzolini, obriga os empreendimentos candidatos à certificação a elaborar um estudo de viabilidade de energias alternativas. “É uma maneira de estimular a adoção de sistemas eólicos e fotovoltaicos, principalmente”, afirma Felipe Coelho, assistente técnico da entidade. Nesse cenário favorável, os primeiros condomínios residenciais já começam a aderir à causa. Em Praia Grande, SP, a força do vento fez o diretor da construtora Concreplan, Eliude Rodrigues de Souza, investir R$ 70 mil para incorporar duas turbinas eólicas no Ecovila Resort, um residencial de 56 casas com várias soluções sustentáveis, que contou com consultoria especializada da empresa Energia Pura.
Fonte: Casa Abril