
O complexo de pântanos artificiais de Três Rios, em Phoenix, Arizona
Notícia de 7/4/2015
Com preocupação crescente sobre contaminação da água por fármacos e compostos sintéticos, sistema tem sido empregado para eliminar essas substâncias, resistentes a tratamento tradicional, de água destinada a uso residencial.
O Rio Santa Ana, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, flui através de cidades que abrigam um total de cinco milhões de pessoas. Ao longo do caminho, ele recebe tanto esgoto que 90% de seu fluxo durante a temporada de secas consistem em efluentes, águas limpadas diversas vezes em estações de tratamento de águas residuais.
Perto do fim de seu curso de 153 quilômetros, o Santa Ana chega ao pântano Prado (Prado Wetlands, em inglês). Abrangendo 1,7 milhão de metros quadrados, essa área pantanosa projetada por engenheiros consiste em uma série de lagoas retangulares, através das quais o fluxo do rio é controlado por pequenas barragens. A água demora cerca de uma semana para atravessar o pântano. Nesse período, taboas, planta hidrófita típica de manguezais, e outras formas de vegetação ajudam a remover nitrogênio, fósforo e outros poluentes.
Hoje, o pântano Prado é parte de um projeto nos EUA para remover um tipo diferente de poluição: resíduos de medicamentos e compostos sintéticos, tais como herbicidas, encontrados em pequenas concentrações em rios, mas que podem afetar a atividade endócrina, o metabolismo e o desenvolvimento de seres humanos.
Nos EUA e em vários países da Europa, há uma preocupação cada vez maior sobre o perigo potencial de água potável contaminada por pequenas concentrações de fármacos que passam por nossos corpos e são eliminados no vaso sanitário, bem como outros compostos sintéticos utilizados na agricultura e na indústria.
Pesquisas mostram que antidepressivos e interferentes endócrinos podem afetar a reprodução dos peixes, e estes compostos também têm sido associados a efeitos adversos na saúde humana. Cientistas temem ainda que a permanência de antibióticos no meio ambiente possa promover o desenvolvimento de bactérias resistentes a antibióticos.
Atualmente, não há regulamentação nos Estados Unidos para medicamentos no âmbito da Lei da Água Potável e existem apenas algumas normas para resíduos de produtos de consumo. No entanto, a lista de potenciais elementos poluentes da Agência de Proteção do Ambiente dos EUA (EPA, na sigla em inglês), que relaciona quais produtos químicos devem ser avaliados para possível regulamentação, incluiu em 2009 vários interferentes endócrinos chamados estradióis, encontrados em produtos como pílulas anticoncepcionais. Da lista também consta a eritromicina, um antibiótico. Em 2013, a Comissão Europeia colocou dois tipos de estradióis e um analgésico chamado diclofenaco em uma lista semelhante.
Como resultado da crescente preocupação, cientistas e autoridades governamentais nos EUA e em alguns países da Europa estão fazendo experiências com o uso dos chamados “pântanos artificiais” para remover esses produtos das águas liberadas das estações de tratamento de águas residuais.
Pântanos artificiais já vêm sido usados há várias décadas nos Estados Unidos e na Europa para remover nitrogênio e outros poluentes tradicionais de águas residuais. Nos EUA, existem cerca de 250 pântanos artificiais para tratar efluentes de estações de tratamento de águas residuais, e na Europa existem milhares de áreas alagadas criadas para o tratamento de esgoto proveniente de pequenas comunidades.
"Há um grande número de potenciais aplicações dessa tecnologia para dar às comunidades um tratamento mais eficaz, em termos de custo-benefício, do que as abordagens tradicionais", diz Larry Barber, pesquisador do Serviço Geológico dos EUA (USGS, na sigla em inglês).
Cerca de 10 anos atrás, graças ao desenvolvimento de métodos mais aprimorados de detecção, tornou-se possível medir os níveis desses compostos em corpos d'água superficiais, tais como os rios. Testes revelam que muitos dos compostos sobrevivem na passagem por estações de tratamento de água residual. A EPA está atualmente investigando a eficiência das instalações que tratam a água para consumo na eliminação de produtos farmacêuticos, e se o aperfeiçoamento dessas estações com medidas tais como a osmose reversa poderia melhorar a remoção desses elementos. Mas existem desvantagens financeiras e práticas. Sistemas de osmose reversa são caros, e pântanos artificiais requerem milhares de metros quadrados para processar grandes volumes de águas residuais.
Um dos primeiros indícios de que pântanos artificiais poderiam ajudar a tratar os medicamentos e outros poluentes sintéticos surgiu com o estudo sobre o nonilfenol, substância encontrada em detergentes usados para lavar roupa. O nonilfenol é um interferente endócrino e estudos demonstraram que é altamente tóxico para os peixes. Quando uma equipe de pesquisa liderada pelo USGS estava testando a capacidade de um sistema de pântanos em pequena escala nos arredores de Phoenix, no estado do Arizona, para diminuir os níveis de nitrogênio nos efluentes do tratamento de águas residuais, eles notaram que a concentração de nonilfenol e produtos derivados dele também haviam sido reduzidos, alguns em 90%.
Depois desses testes, a equipe construiu um pântano em grande escala no local, com 1,5 milhão de metros quadrados, chamado de Três Rios. É um dos maiores nos EUA e fornece água para irrigação, além de ser habitat de animais selvagens. Ele também tem três lagoas principais que removem cloro, metais pesados, herbicidas, nitrogênio e nonilfenol das águas que passam por ele.
Estudos têm mostrado a eficácia dos pântanos artificiais na eliminação desses poluentes. Um estudo de 2004 sobre o pântano Prado, na Califórnia, descobriu que o local ajudou a reduzir os níveis de ibuprofeno e produtos químicos encontrados em pesticidas e retardantes de chama nas águas. Cientistas na Espanha também relataram que sistemas naturais removeram uma variedade de medicamentos anti-inflamatórios e pesticidas.
Ainda assim, muitos compostos, incluindo alguns estradióis e antibacterianos, são mais resistentes ao tratamento em pântanos artificiais, e seus níveis caem apenas pela metade, aproximadamente. "A minha impressão é que o objetivo é, definitivamente, mais do que 50% de remoção, ou então, para que o trabalho?" diz David Sedlak, professor de ciência e engenharia ambiental da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Sedlak e seus colaboradores estão por trás de um projeto-piloto no pântano Prado. Inspirado em experiências que mostram que medicamentos se degradam pela luz solar quando seguem rio abaixo, eles trabalham no desenvolvimento de um novo tipo de pântano artificial especificamente para remover esses compostos.
Em um projeto típico, plantas aquáticas são o principal elemento de purificação da água, por causa das inúmeras formas em que elas eliminam poluentes. Mas elas também ofuscam, literalmente, a contribuição da luz solar. Assim, cerca de um ano atrás, a equipe de Sedlak começou a testar o que definiu como unidades em águas abertas no Prado. Agora, antes de entrar na série de lagoas cheias de taboas, a água passa por uma das grandes lagoas sem plantas por um ou dois dias.
Apesar de os pesquisadores ainda estarem na primeira fase da coleta de dados, as novas lagoas nos pântanos Prado parecem funcionar como um sistema semelhante ao que existe na baía Discovery, perto de São Francisco, que está em operação há cerca de sete anos. Dados iniciais sugerem que essas unidades em águas abertas eliminam 90% de sulfametoxazol, um antibiótico frequentemente resistente à remoção em estações de tratamento de água. Um benefício inesperado é que uma camada de algas e bactérias que crescem no fundo das lagoas, coberto por lonas, parecem degradar os compostos.
Lagoas semelhantes às unidades de águas abertas serão incorporadas aos pântanos do rio Brazos (Brazos River Demonstration Wetland, em inglês), uma área de quase 50 mil metros quadrados cuja construção foi iniciada em janeiro no estado do Texas.
O projeto é o primeiro a otimizar a remoção dos resíduos de medicamentos da água ao mesmo tempo em que remove contaminantes tradicionais. A água vai viajar através de lagoas com algas para a remoção de nitrogênio e, em seguida, abaixo da superfície com níveis muito pequenos de oxigênio, para ajudar a retirar os produtos químicos.
Barber, o geólogo do USGS que trabalhou no pântano artificial de Tres Rios, no Arizona, e também ajudou a projetar a instalação de Brazos, espera que o projeto possa aprimorar a concepção de pequenos pântanos artificiais por todo o país, bem como as zonas pantanosas maiores que tratam efluentes de estações de tratamento de águas residuais.
Pesquisas recentes na Europa endossam a ideia de que pântanos artificiais híbridos – uma combinação de lagoas para uso no nível superficial e subsuperficial que não se congelam em climas mais frios – removem com mais eficácia interferentes endócrinos e outros compostos. Agências ambientais em países como Dinamarca, Áustria e Alemanha fornecem atualmente diretrizes e impõem normas para a remoção de nitrogênio, fósforo e outros contaminantes em pântanos artificiais. Os pesquisadores preveem que normas sobre os níveis de drogas e outros micropoluentes só serão fixadas quando essas substâncias forem reguladas.
Mesmo sem regulamentação, algumas comunidades estão dispostas a investir em sistemas de pântanos artificiais. "Trata-se de ser pró-ativo em termos da maneira certa de fazer o reuso de água", diz Barber.
Fonte: Opera Mundi UOL